Eram meados de fevereiro, eu estava quase completando um mês de eurotrip. Nesse momento estava em Berlim me organizando para ir à Praga. Nessa aventura eu já tinha me hospedado em hotel, em Albergue, em casa de amigos e também já tinha experimentado o couchsurfing. As coisas já fluíam com tanta naturalidade que, por vezes, eu não me reconhecia. Acho que estava faltando dar alguma coisa errada. Tinha feito contato através do couchsurfing e essa seria minha hospedagem na capital Tcheca. Combinei com a Karol, minha anfitriã, que a encontraria na estação de metro Skalka por volta das 20:30. Como cheguei de ônibus no terminal da estação Florenc eu precisava pegar um metro até a estação Muzeum, trocar de linha e ir para Skalka. Isso tudo lendo as placas em tcheco. Até essa parte da história estava tudo bem. Consegui fazer tudo direitinho até chegar na estação combinada. O que eu não sabia era que não daria tempo de chegar lá no tempo combinado. Logo, cheguei às 21 horas.
Subindo as escadas do metro as poucas pessoas que estavam lá me olhavam como se eu fosse de outro planeta. De fato, eu não me parecia nem um pouco com os tchecos, ainda mais carregando um mochilão vermelho nas costas, outra menor junto ao peito, sem falar que não tinha ninguém tão bronzeado quanto eu!!! Fui até o ponto de ônibus onde tínhamos combinado e nada. Olhei para um lado, olhei para o outro e levei alguns minutos para tomar alguma decisão. Como estava sem telefone quando era preciso me localizar eu usava wi-fi com meu ipod. Insight!!! Vi um pequeno bar da estação e me dirigi para lá em busca da minha salvação. Quando abri a porta uma senhora me encarou com, digamos assim, pouca receptividade. Ao cumprimentá-la não tive nem tempo de começar a falar: No English, no english!!! Ela disse num tom ríspido. Olhei em volta procurando alguém e me deparei com um senhor que apenas balançou a cabeça. Peguei o ipod para ver se havia wi-fi e aquilo a irritou mais ainda. Ela começou a me enxotar do local dizendo várias coisas em tcheco que eu confesso não ter entendido.
Voltei para o ponto de ônibus sem saber o que fazer, meio cabisbaixo, até que comecei a gargalhar de doer a barriga. Era a segunda vez na minha vida que eu sentia aquilo. Me sentia vivenciando um momento de clímax do Show de Truman.
Show de Truman é um filme do fim da década de 90 que retrata um reality show da vida do Truman desde seu nascimento. Ele é o único que não sabe disso e em determinado momento da vida começa a perceber e lutar para sair do falso mundo. Nessa parte do filme tem uma cena que me marcou muito na adolescência, quando as pessoas no mundo real estão reunidas num bar, bebendo e torcendo para o Truman conseguir. Uma vez eu estava sozinho numa estrada deserta, o pneu do carro furou e eu estava sem o macaco. Após alguns segundos de perrengue veio a gargalhada e a sensação de que ia funcionar. Naquela noite em Praga eu voltava a me sentir assim.
Meti a mão no bolso, peguei uma moeda e decidi: cara eu caminharia para norte e coroa caminharia para o sul. Moeda pro alto e deu coroa, mas sempre que a decisão é da moeda tem que ser melhor de três. Resultado: 2 a 1 cara. Me levantei confiante e respirando aliviado e lá fui eu pela rua Úvalska em direção ao norte. Vi de longe um bar meio estranho e comecei a ponderar, mas não tinha nada a perder, resolvi entrar. Era um boteco pequeno, mas a galera que tava lá era doidera. Tentei desenrolar alguma coisa em inglês e acabei decidindo voltar pra estrada.
Já caminhava sem rumo, seguindo a rua principal na direção que a moeda indicara até que vi um outdoor indicando um hotel. Nem acreditei!!! Abri o passo caminhando rápido, ofegante e feliz, muito feliz. Ao chegar no hall do hotel a atendente estranhou meu estilo, acho que não devia ser muito comum mochileiros perdidos por ali. Nem me importei com o que ela pensava, só perguntei se ela falava inglês e a abracei quando ela disse que sim. Nesse momento eu já estava empolgado e falava sem parar contando tudo o que tinha acontecido. Ela se divertia sem entender muito bem algumas coisas, me conduziu para um computador para que eu pudesse usar internet e ligou do próprio celular para a Karol explicando o que tinha acontecido.
Nessa trip eu levava comigo algumas fotos panorâmica do Rio para trocar ou presentear algumas pessoas que encontrasse. Quando dei uma a ela agradecendo pela ajuda ela ficou bem emocionada. Foi um momento maneiríssimo. Peguei minhas mochilas e voltei para estação para encontrar a Karol no local combinado. Em poucos minutos ela apareceu com o Nero e eu logo lembrei do Truman escapando do falso mundo a bordo de um veleiro.