Atualizando os relatos parciais do Caminho a Dois, chegou a vez do Norte da California. Caminho a Dois é uma aventura de Edinho e Bia, planejada para ter 4.286 km, percorridos a pé, pela Pacific Crest Trail, também conhecida como PCT. Uma trilha que corta a Costa Oeste dos Estados Unidos, no sentido longitudinal, pelas cristas das montanhas, desde a fronteira do México até a divisa daquele país com o Canadá.
A descrição desse audacioso projeto ganhou a palavra planejada porque no Norte da Califórnia entendemos que a distância total de uma trilha de longo curso nem sempre é a mesma na fase de planejamento e no período da execução. O que descobrimos nesse trecho que relatamos nesse post.
Norte da California
O Norte da California era um dos trechos que mais instigou a nossa curiosidade. Estávamos muito curiosos sobre como seria a nossa reação. Nesse ponto já tínhamos superado o Deserto com suas serpentes, escassez de água e mochilas pesadas. Também já tínhamos descoberto nossas reações na neve, nos adaptado à altitude e presenciado maravilhosos visuais na Sierra Nevada. Isso tudo nos permitia sentir o condicionamento físico bem evoluído, a incógnita eram as nossas cabeças e sentimentos.
Números Norte da California
- Distância da fronteira com México: 2722,5 km
- Dias do início: 122
- Distância total do NorCal: 1085,9 km
- Dias na Sierra Nevada: 37
- Período: 28 de junho à 3 de agosto
- Média km/dia: 29,35 km
- Altimetria positiva acumulada: 36.465 m
- Altimetria negativa acumulada: 36.810 m
- Neros (distância < 15 km): 4
- Dia mais longo: 44,8 km
- Dia mais curto: 8,6 km
- Temperatura mais quente: 39º C
- Temperatura mais fria: 8º C
O que esperar do Norte da California
Numa trilha de longo curso, como na vida, se dividirmos o trajeto total em frações menores a sensação de cumprimento de metas e percepção de evolução é bem mais produtiva. No caso da PCT, dividimos em cinco: Deserto, Serra Nevada, NorCal, Oregon e Washington. Porém, o fim da Serra Nevada gera muitas controvérsias. Autores e pesquisadores consagrados divergem sobre esse limite. Assim, por se tratar de mero checkpoint do Caminho a Dois, definimos o Sonora Pass como ponto dessa transição.
A trilha
Bem diferente do trecho anterior, o Norte da California não nos apresentou nenhuma dificuldade técnica ou trilhas desafiadoras. O principal aspecto dessa parte do Caminho a Dois foi vencer a parte psicológica. Após viver 101 dias na trilha, ainda não tínhamos chegado no marco da metade do caminho e isso gerava um conflito mental grande. Principalmente porque a meta prevista não nos dava a mesma quantidade de tempo da primeira metade.
Por outro lado, depois de passar o Half Marker que simboliza a metade do trajeto, nosso mindset mudou. Nas frases onde usávamos ainda passamos a dizer já. "Já estamos no Km 2.100.", "Já estamos chegando no Oregon", "Já andamos mais da metade." Parece bobeira, mas os dias ficaram bem mais fáceis.
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Natureza
A variação de altimetria no NorCal é um dos principais fatores responsáveis pela diversidade ecológica. Nos trechos mais altos, passamos por lugares que podem ficar cerca de 200 dias/ano cobertos por neve, onde observamos algumas red firs, espécie de pinheiros adaptados para essa característica. Um fato curioso é que nos pinheiros observamos uma espécie de musgo que nos permitia ver a altura que a neve chega durante o inverno. Em contrapartida, em regiões mais baixas, as altas temperaturas, os arbustos característicos do chaparral e a presença de cobras, sendo algumas cascavéis, nos permite recordar da jornada pelo deserto do Sul da California.
Dentro da nossa divisão da PCT, consideramos o NorCal desde o Sonora Pass (trecho onde a PCT cruza a Highway 108) até a divisa com o Oregon. No primeiro trecho é nítido a mudança das montanhas. A vista de glaciares e montanhas de granito da lugar a rochas de origens vulcânicas. Nessa mudança a maior surpresa foram as belíssimas flores que nos lembraram do trecho do deserto.
O segundo trecho do NorCal, quando entramos na Desolation Wilderness devido o solo rochoso as flores e grandes árvores sumiram. Porém, apesar da pouca elevação, montanhas de granito e lagos de águas cristalinas deixavam as paisagens belíssimas. Muitos visuais que lembravam as montanhas da Sierra Nevada localizadas mais ao sul.
Em relação aos animais, observamos um aumento considerável de roedores. Também vimos o primeiro urso de nossas vidas. Nas partes mais baixas voltamos a observar cobras e calangos. Também foi possível observar um aumento considerável na quantidade de pássaros.
A surpresa negativa da natureza foi a poluição do ar. Muitas estradas, a popularidade da belíssima região do Lake Tahoe aliados as fumaças vinda dos incêndios nas proximidades da trilha prejudicaram bastante nossos pulmões. Em alguns dias era até difícil de enxergar as montanhas.
Do marco da metade do caminho (Half Marker) fomos presenteados com a maravilhosa visão do Mount Shasta, o segundo maior vulcão das Cascades. A Pacific Crest Trail faz um arco pelo Oeste do monte, assim por quase 500 km podemos observar-lo. O vimos do sul, do oeste e do norte.
Para finalizar as maravilhas naturais do Norte da California percorremos o trecho do Lassen Volcanic National Park onde além de ver os campos de lava também observamos o Terminal Geiser. Outro ponto de destaque foi a belíssima cachoeira Burney Falls.
Ressuprimento
- South Lake Tahoe (refeições, mercado, material, banho, lavanderia)
- Truckee (refeições, mercado, material, banho, lavanderia)
- Sierra City (refeições, mercado)
- Bucks Lake (mercado,refeições, banho, lavanderia)
- Belden (refeição)
- Drakesbad Guest Ranch (refeição)
- Old Station (refeições, mercado, banho, lavanderia)
- Burney Mountain Guest Ranch (refeições, mercado, banho, lavanderia)
- Burney Falls (refeição)
- Caribou Crossroad (refeições, mercado, material, banho, lavanderia)
- Etna (refeições, mercado, material, banho, lavanderia)
- Seiad Valley (refeições, mercado, material)
Nossa estratégia no NorCal foi evitar cidades. Não fizemos nenhum Zero (dia sem andar nada) e apenas 4 Neros (dias andando menos que 15 km). Assim, a maior parte dos ressurgimentos foi bem rápido e priorizamos as opções mais próximas da trilha.
Com relação ao material, Bia trocou o tênis Altra pelo tênis Keen. Edinho tentou trocar o tênis Altra pela papete Teva, mas o clima extremamente seco ressecou o pé e a opção foi retornar para um novo tênis Altra.
O aspecto não tão legal sobre ressurgimento no NorCal é que a saída das cidades, Guest Ranch e pontos turísticos era, em sua esmagadora maioria, íngremes subidas com considerável variação altimetria. O que era intensificado com o peso da água e comida.
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Bia
O Norte da Califórnia foi um mix de sentimentos. Após terminar a Serra Nevada eu mal sabia o que viria pela frente. O que encontrei no primeiro momento foram lindas flores perfumadas. Mas, junto com a beleza da paisagem veio um calor forte e chato.
O mês de julho trouxe também a saudade de casa. Meu aniversário que costuma ser comemorado cercada dos meus melhores amigos; a Copa do Mundo de futebol, que é curtida lindamente pelos brasileiros a cada jogo; o aniversário de 2 anos da minha sobrinha. Tudo isso e eu pensando ainda nem cheguei na metade da trilha e já estou cansada.
Mas, o Norte da Califórnia se apresentou mais fácil de caminhar do que a Serra Nevada, o preparo físico começou a ficar melhor, a companhia dos amigos, a princípio, foi um presente. Andar com o casal de americanos Simba e Medusa nos trouxe grandes momentos de alegria até Old Station, quando por fim eles desistiram da trilha e voltaram pra casa.
O Mount Shasta enfeitava a paisagem e a fumaça das queimadas nos trazia ainda mais melancolia e desconforto. O marco do meio da trilha (mid point) me trouxe um sentimento de agora tenho que caminhar toda essa distancia novamente, mas agora em menos tempo".
Concluir o Norte da Califórnia e entrar no estado do Oregon era o que eu precisava para renovar a energia e seguir em frente.
Edinho
O Norte da California foi bem diferente do que eu imaginava. Foi quando a nossa jornada passou a ser mais social, quando percebi e entendi que os conflitos mentais seriam os maiores desafios da trilha e senti a evolução das nossas condições físicas.
Nos trechos anteriores, Deserto e Sierra Nevada, apesar de encontrar bastante gente, eu e Bia trilhamos a maior parte do tempo sozinho. Foi ótimo para resolvermos nossas questões, aprender a "encontrar" nosso "ritmo" enquanto casal e nos entender melhor. Superado esse trecho percebemos que já rolava andar com outras pessoas e a partir da parada em South Lake Tahoe começamos a caminhar com os norte-americanos Simba e Medusa.
Adicionar mais pessoas na nossa jornada foi muito interessante. Em diálogos profundos, sobre diferentes temas, começamos a aprender e entender melhor a cultura americana. Por outro lado, sempre que paramos em lugares de ressuprimento e entrava na internet, as fotos dos amigos e familiares reunidos para curtir a Copa do Mundo aumentava a saudade.
O principal aprendizado que tirei desse trecho da PCT foi viver o presente. Cada escolha que fazemos é uma renúncia. Se eu estivesse na trilha com a cabeça no Brasil, as dificuldades sobressaiam aos bons momentos e aprendizados. Essa percepção junto da chegada ao marco da metade mudou meu mindset e tudo fluiu melhor.
Se você quiser saber mais sobre o projeto Caminho a Dois, tem uma série de videos no canal do youtube do Sua Casa é o Mundo ou se estiver interessado em entrar em contato pelo contato@suacasaeomundo.com.br.
Abraços e bons ventos!