Ironman 70.3 – Pucón

A prova mais bonita do Mundo

O ano era 2012 e eu estava planejando os desafios para 2013 quando decidi que iria correr uma prova do circuito Ironman. O Ironman é uma prova de triathlon que começa com 3,8 km de natação, seguidos de 180 km de bike e termina com 42 km de corrida. Para atingir minha meta estabeleci um plano de treinamento e passei a pesquisar provas intermediárias para me preparar. Ao pesquisar o circuito Ironman 70.3, que é uma prova com a metade da distância do Iron( 70.3 é a soma da distância das modalidades em milhas), me deparei com a prova mais bonita do mundo.

Foto de Wagner Araujo
Foto de Wagner Araujo

Segundo a lenda o triatleta profissional Mark Allen, hexacampeão do Ironman em Kona – Havaí, foi convidado por Cristián Bustos, um famoso triatleta chileno para correr em Pucón. Após a competição Allen afirmara que aquela era a prova mais bonita que ele já tinha participado. Rapidamente  “La carrera mas bonita del mundo” virou o slogan da prova.

Pucón

Pucón é uma pequena e belíssima cidade que fica aos pés do vulcão Villarica e às margens do lago de mesmo nome. É repleta de rios, montanhas e parques nacionais, dando condições ideais para a pratica de uma grande variedade de esportes radicais como esportes de neve, trekking, rafting, caiaque, alpinismo e montanhismo. É destino popular no inverno e no verão. Nos meses frios é muito visitada pelos praticantes de esqui e snowboard, no verão por mochileiros e admiradores de atividades ao ar livre. Localizada no centro-sul do Chile, mais precisamente na Região da Araucanía, tem na cidade de Temuco ( aproximadamente 100 km de distância ) a melhor infraestrutura de aero-transporte.lago villarica

Foi chegando na cidade de Temuco onde eu tive a primeira impressão da prova: Banners enormes no aeroporto desejam boas-vindas aos competidores e transfers especiais esperavam para nos levar para a cidade. A prova ocorreu em janeiro, em plena alta temporada do verão chileno, todos os lugares eram repletos de mochileiros em busca das aventuras da região. Nesse momento constatei uma grande falha no meu planejamento. Cheguei na cidade sem nenhuma hospedagem reservada.

Com mochila nas costas, bicicleta em baixo do braço saí pela cidade percorrendo hotéis até que me indicaram um hostel, El refúgio. Me animei caminhando a passos largos para o que parecia minha solução e ao chegar lá encontrei uma única vaga, mas para o dia seguinte. Sem ter para onde correr reservei o que tinha e voltei para a rua sem saber para que lado ir. A cena era engraçada: com uma mochila cargueira vermelha às costas, segurando em baixo do braço uma bicicleta de competição embalada e com cara de cachorro que caiu da mudança. Uma boa alma me viu e se apressou para me salvar. Ele apontava em direção ao outro lado da rua me indicando uma casa que hospedava pessoas perdidas como eu. Sem outra escolha nem titubeei e lá fui eu gastar meu espanhol. Quando o Sr. Nelson e a D. Sonia souberam que eu vinha para correr a prova e precisava pernoitar por apenas uma noite, logo se animaram com a ideia de me receber. Que alívio!

No dia seguinte me despedi do casal e fui para minha nova morada: Hostal El Refugio. Uma mudança drástica. Da tranquilidade de uma casa de família para um albergue. Porém, após conhecer a galera e me instalar no quarto/barraca ou barraca/quarto (Um quarto que fica na área externa e tem o formato de uma grande barraca) resolvi sair com a bicicleta para levar ao mecânico e já pude experimentar a energia daquele lugar. As pessoas nas ruas ficavam admirando a bike, algumas pediam para tirar foto e ao descobrir que eu era brasileiro a troca de energia era ainda mais contagiante. O horário da coletiva de imprensa e do congresso técnico, se aproximava então decidi ir retirar meu kit. Foi quando um simples diálogo me fez pensar e repensar todo o processo que eu vivera até ali. No dia da prova, logo após terminá-la fiz um relato, repleto de emoção:

A prova

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briefing
Conferência e Briefing da prova

Dialógo pós entrega de kit e antes da Conferência:
– Brasileiro também? De onde eres?
– Do Rio!
– Hmmm… Treina com quem lá?
– Sozinho?
– Não, pergunto com que equipe.
– Não tenho.
– Como assim? E quem monta seu treino.
– Um amigo.
– Hmmm. 
– Onde você tem treinado, então?
– Na verdade não treino desde novembro.
– Você não sabe o que está fazendo!
– Como assim?
– Guri, estas me dizendo que não tem equipe, que um amigo monta seu treino e que desde novembro não treina.
– Sim.
– Então ou não tens juízo ou não sabes o que está fazendo.

Pode parecer caô (mentira), mas isso tirou meu sono. Saí de lá parei na Rua Principal, comi minha massa, passei no mercado para comprar o café e voltei correndo pro Hostel. Tava tudo pronto, abri a bolsa do dia seguinte, joguei no chão e comecei a checar tudo de novo. E não me saía da cabeça as palavras do coroa.
kit prontoSeparei tudo por prova… na natação eu iria usar um Wetsuit zerado. Nunca tinha testado, nem na piscina. Comecei a me preocupar, mas ainda achei que maluco era o cara de me questionar daquele jeito. Parecia professor do 1o ano falando comigo só pq não tinha estudado pra prova. Peguei a bike e… a roda era nova, o ciclo computador adaptado e o capacete novo. Ah, sem problemas, era tudo coisa que só se usa na prova… peguei a bermuda e era novinha em folha. Ainda no plástico. Não me permiti pensar peguei logo o material da corrida onde também existia material não testado, a meia.

Juízo, juízo, juízo… não me saía da cabeça! Juízo é palavra de namorada… Maior vacilo aquele cara ter falado em juízo comigo.

Após um tempão enrolando com aquilo na mão decidi dormir! Ah, na hora vai sair!!!

5:30 toca o relógio. Ouvia um vento absurdo lá fora, não queria acreditar então dormi mais um pouquinho. Acordei e ele ainda estava lá. Criei coragem e fui.

Café da manhã tranquilo, dessa vez só comi o que estava acostumado. Cheguei na área de transição na hora certa e coloquei tudo no direitinho.

De material eu tava bonito, ainda que não o estivesse experimentado.

Fui pra praia. Não sei se pode chamar de praia porque o chão é de pedrinha e é na beira de um lago. Mas o visual era muito lindo! Transpirava admiração e ansiedade. Primeira prova da marca ironman e debutando em competições internacionais, eu estava emocionado

Ao som da sirene lá fui eu! Pensava que a natação ia ser a única parada tranquila da prova até que… Ondas!!! Eu disse ondas! Num lago!? Cara, impossível. Que merda é essa pensei. Quando vi, parecia que os caras do resgate ficavam brincando com o jet ski, só de “sacanagem”! Hahahha. A água meio escura e a largada por etapa, tomei muita porrada. Hahahaha! Mas deu certo! 50 minutos e lá estava eu saindo da água! É os tempos foram todos altos!!! Isso mesmo, 50 minutos.

Transição lenta… não sei quanto demorei. Tinha dois relógios e não me entendi com nenhum. Peguei a bike e lá fui eu!!!

Muito maneira a energia de Pucon. A população transmite uma vibe tão boa, tão alto astral que a medida que você sorri, as pessoas batem palma e te incentivam. Hehehehe… logo, Edinho era só sorrisos!!!
Comecei leve, girando e me adaptando a nova modalidade. Pedalei em direção a saída de Pucón e quando deixei para trás o centro da cidade chegando na estrada mesmo me deparei com ele. O vento da madruga me esperava de braços abertos. Meu plano de prova era não forçar hora nenhuma pois eu estava sem treinar, há alguns longos dias, graças a uma trip iradíssima (não me arrependi nem um pouco). Ainda acreditava ter juízo, mas com aquele vento contra resolvi abandonar meu plano e forçar! Fazia uma força absurda e o ciclo computador não passava de 25 km/h. Olhei pra frente e vi que me aproximava das pessoas, mas bem lentamente, quando me lembrei que li em algum lugar: NÃO SE ABANDONA PLANO DE PROVA POR NADA. Em um insight percebi a burrice e reduzi. Aí sim desanimei. 19km/h, 15km/h, 21km/h… Nesse ritmo, lutando contra meus pensamentos, fui sofrendo de moral muito baixa até o ponto de retorno. Na hora do sofrimento os pensamentos são tomados por uma tempestade de ideias e nesse “brainstorm” concluí o principal erro do pedal. Inventei de fazê-lo com a camisa do Veleiro da trip anterior! Aí, amigo, pediu tem… se transformou em pedal de desafios extremos!!! Hahahahahhaha! Mas para minha surpresa ao fazer a volta passei a ter vento em popa e na mesma reta que atingi 29km/h eu consegui incrivéis 57km/h! Eu não acreditava naquilo. O clip tremia de me deixar com medo de cair! O asfalto poroso de Pucón além de prejudicar um pouco o desempenho faz aumentar a trepidação da bike. O primeiro trecho da volta inicial demorou longos 53 minutos pra passar. Quando fiz a volta o relogio marcava 1h e 30 min de pedal! Na segunda volta o vento já tinha mudado de novo soprando meio de través… sem vela isso num é nada bom, mas a moral já tinha melhorado um pouquinho e foi possível manter o tempo fechando pra 3 horas o pedal.
Como o tempo que levei na ida da segunda volta tinha sido melhor voltei relaxando pra corrida e admirando o visual… E que visual, muita árvore, muito verde e o belíssimo Vulcão com uma fumacinha marota tornando quase que poética aquela cena.

Aproximava-se de meio dia e já tínhamos um sol pra cada um! A corrida seriam três voltas e eu sabia que teria uma subidinha no começo de cada uma delas. A tristeza foi descobrir que a subidinha na verdade eram várias pequenas subidas. Foram alguns, longos, minutos descendo e subindo, aí você fazia o retorno e tinha tudo de novo pela frente. Depois disso um longo trecho plano, passando pelo centro da cidade, com muita gente na assistência e a regra do sorriso=aplauso voltava a valer. De vários pontos ainda era possível ver o vulcão, mas no primeiro plano da cena as pessoas e construções substituiram as paisagens naturais.
O sol virou um massarico e quando terminei a primeira subida da segunda volta decidi abandonar meu short e correr de sunga. Até chegar no centro da cidade não pensei que fosse mudar nada na minha prova. Só ficou mais fácil de correr, pois o short estava encharcadaço. Na verdade os homens da platéia passaram a me chamar de gay ou coisa do tipo. Porém ouvi várias gracinhas das gatas e do staff. Hahahahahha. Na soma das pontas ficou bem mais divertido correr. Passei a brincar com as pessoas e quando me assustei vi o portico de chegada, GIGANTE onde lia-se META!

Galera do hostel El Refugio que deu uma força no pré, durante e pós-prova!
Galera do hostel El Refugio que deu uma força no pré, durante e pós-prova!

Cheguei!!! Cansado pra caramba como se vê na foto! Mas feliz!!! Muito feliz!!!
Várias lições aprendidas das quais destaco que tentarei, prometo que tentarei! Com todas minhas forças eu vou tentar me preparar melhor para os próximos desafios que eu me propor! Acho que quando assumimos esse tipo de compromisso e negligenciamos a preparação é um verdadeiro desrespeito ao nosso organismo! Talvez o coroa tivesse certo! Juízo eu tenho! Hahahahahahha

Aposto que vocês acharam que eu ia dizer o contrario!

O que rolou é que eu não sabia que a prova de Pucón era tão dura como foi! Que bom que percebi isso aqui, logo se era treino pra Floripa, mais do que cumpriu a finalidade!

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m dot

Toda primeira vez é marcante. Assim foi com Pucón, a minha primeira prova internacional. Existia tanta novidade, tanta empolgação que algo básico como reservar a hospedagem foi negligenciado. O objetivo foi alcançado, o sonho realizado e uma série de lições foram aprendidas.

Após a prova, permaneci mais dois dias na cidade, voltei para Santiago para tatuar a primeira metade do troféu e segui para San Pedro do Atacama para refletir sobre o ocorrido desfrutando as energias da Pacha Mama!

Resumindo

  • Pucón é um excelente destino para quem gosta de atividades ao ar livre;
  • A prova de Pucón é muito linda;
  • A prova é tão dura quanto linda;
  • A organização e a dedicação da organização da prova é um ponto alto do evento;
  • A atmosfera da prova é sensacional;
  • Não tem como se arrepender de correr o Ironman Pucon;