Jalapão Bikepacking - Serra do Espírito Santo

Jalapão bikepacking, uma aventura de bicicleta pelo Jalapão

O Jalapão Bikepacking é uma aventura e tanto! Mas como vocês vão ver, com um pouco de planejamento e organização é possível viver essa aventura.

O Jalapão é Bruto! Descobrimos essa frase quando estávamos pesquisando, estudando e planejando nossa cicloviagem pelo deserto das águas. Desdenhamos e achamos que tinha um certo exagero nessa afirmação. Ledo engano.

Como a ideia era realizar uma viagem no estilo bikepacking, auto-suficientes, sem apoio e gravando o filme 500 - Jalapão Bikepacking,  estávamos consideravelmente pesados. Isso interferiu diretamente no nosso planejamento.

Planejamento do Jalapão Bikepacking

Como falamos no post sobre o Jalapão, a logística para chegar nessa região do país não é muito simples. Saindo do Rio de Janeiro voamos para Palmas, de onde iniciaríamos o pedal em direção a Ponte Alta (portal sul do Jalapão) para em seguida pedalar rumo Novo Acordo (portal norte) e retornar a capital do Tocantins.

Analisando a quantidade de dias, o terreno a ser pedalado, o peso que iríamos conduzir e o desejo de desfrutar os atrativos da região alteramos o planejamento inicial. Incluímos o translado, com o apoio da empresa Jalapão Extremo, nos trechos Palmas - Ponte Alta e Novo Acordo - Palmas, restringindo o trecho de bike ao Jalapão.

Assim, o roteiro definido foi Ponte Alta, Pedra Furada, Cachoeira do Soninho, Cachoeira da Fumaça; Ponte Alta, Canion Sussuapara, Mata Nova, Rio Vermelho, Cachoeira da Velha, Prainha, Frito Gordo, Rio Novo, Dunas, Serra do Espírito Santo, Mateiros; Fervedouro Buriti, Fervedouro do Ceiça, Povoado Mumbuca, Encontro das Águas, Camping do Vicente, Cachoeira do Formiga; Fervedouro Bela Vista, São Félix, Catedral, Camping do Camilo e Novo Acordo.

Como o nosso objetivo além de conhecer e desfrutar o Jalapão era gravar o filme 500 Jalapão Bikepacking, escolhemos os lugares de parada pela beleza e deixamos o calendário bem folgado para ter margens para mudanças. O que foi ótimo pois nossa trip diminui um dia e decidimos evitar a Cachoeira da Velha e a prainha do Rio Novo.

Jalapão Bikepacking - Sua Casa é o Mundo
Jalapão Bikepacking - Sua Casa é o Mundo

Equipe, Bikes e preparação

O 500 Jalapão Bikepacking foi uma ideia que surgiu repentina. No dia 12 de Outubro, durante a Adventure Sports Fair e em 22 de Dezembro estávamos girando o pedal. Da compra das passagens até a trip foi uma correria insana.

Inicialmente viajaríamos eu e Bia. Convidamos alguns amigos e o único que estava disponível era o Rodrigo Leão. Mas como de praxe ele só confirmou duas semanas antes.

A preparação física foi confiar no condicionamento que o triathlon trouxe para a Bia e que o trail running me possibilitou. Mas com relação ao material, tinha muito a ser feito. A começar pela Bia que não tinha bicicleta. Pesquisamos e compramos uma bike preparada para cicloturismo. Como já possuíamos 2 alforges deuter, a principal preocupação era um bom bagageiro que aguentasse o tranco.

Para minha bike, comprei uma bolsa de selim da Aresta Equipamentos, fabriquei uma bolsa de quadro e em ambas as bikes colocamos alforge de guidão. A bike da Bia foi com dois pneus 1.95 e a minha com 2.2. Para as estradas do Jalapão acreditamos que menos que 1.95 pode tornar a empreitada mais difícil.

O Leão, que entrou na correria, com uma bike emprestada, adaptou tudo. Comprou um alforge de guidão, bolsas estanques e um bagageiro simples (que quebrou no penúltimo dia) e adaptou tudo na Bike, com apoio de uma boa mochila de fotografia para levar o Drone o Dome.

A trip

Jalapão bikepacking Palmas- Sua Casa é o Mundo
Jalapão bikepacking Palmas- Sua Casa é o Mundo

Eu e Bia chegamos em Palmas no dia 20 de dezembro, no último vôo. No dia 21 pela manhã fizemos um briefing com o Alex, da Jalapão Extremo, que se mostrou muito solícito e desde o primeiro momento nos auxiliou bastante. Em seguida demos uma pedalada por Palmas para ajustar os últimos detalhes.

Com uma pequena confusão com o fuso-horário o Rodrigo Leão (Lion) chegou no final do dia 21. Nos encontramos no aeroporto e de lá seguimos direto para a cidade de Ponte Alta - TO, portal sul do Jalapão.

Chegando em Ponte Alta fomos para a pousada Águas do Jalapão e esticamos as redes e antes de dormir a primeira surpresa da Expedição. No transporte no avião a bike do Lion quebrou a gancheira. Como não era o caso improvisar uma bike sem trocas de marchas para encarar o Jalapão, no dia seguinte ele voltaria para Palmas e nos encontraria dois dias depois na Pedra Furada.

Dia 1

Eu e Bia saímos com o destino incerto. Sem saber o quanto renderíamos as opções eram seguir para a Cachoeira da Fumaça ou se não rolasse parar na Cachoeira do Soninho. Na fase de planejamento eu já tinha deixado a Fumaça de lado, mas o Alex insistiu que valia a pena visitá-la pois estaríamos a apenas 18 km de lá.

Seguimos na direção sul de Ponte Alta e rapidamente chegamos no asfalto. Foram 17 km até a saída para a estrada de terra. Uma estrada tranquila, com poucas e pequenas costelas de vaca. Mais 11 km e avistamos, de longe, a Pedra Furada. Uma linha de eucaliptos, margeando uma estrada de areia fina e branca indicava o caminho. Mas par o primeiro dia faltavam pelo menos 40 km até o Soninho.

O sol estava muito quente e descobrimos o primeiro grande desafio. A água das caramanholas ferviam em menos de uma hora. Como eu levava mochila de hidratação, a temperatura ficava melhor. Mas a Bia sofria para manter-se hidratada com aquele chá.

Enquanto produzíamos o roteiro do filme 500 Jalapão Bikepacking a Bia sempre falava que seria legal contrastar momentos de perrengue com belas imagens. Eu não imaginava que teriam muitos perrengues (risos). Pra começar essa série no km 49, seguimos para a esquerda, confiando num tracklog que encontrei no wikiloc.

Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo
Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo

Seguimos por um trecho de areia bem fininha, um pedal difícil, bem diferente do que estávamos encontrando. Progredir na areia estava bem complicado e começamos a empurrar a bike vários trechos. Quando me dei conta, erramos a entrada e teríamos que voltar 1km. Voltamos e constatamos que foi um erro aceitável. A trilha que deveríamos seguir estava coberta por mato, dando dicas de que há muito não era utilizada.

Seguimos progredindo por esse difícil caminho, revezando entre pedalar no mato e empurrar a bike. Quanto mais a gente avançava mais fechado ficava o caminho e mais pegadas de animais a gente via. Após 2,5 km uma surpresa. A ponte que cruzava o rio estava quebrada. Caminhei pela margem procurando algum ponto para descer e atravessar as bikes e vibrei ao encontrar um trecho que dava vau.

Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo
Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo

Após mais 2km de perrengue e muito cansaço chegamos na estrada de terra da qual tínhamos saído. Após checar o caminho vibrei ao descobrir que faltavam 12 km para a Cachoeira do Soninho mas ficava a dúvida de como seria a estrada. Com a água fresca e a estrada melhor, pedalamos sem maiores problemas e chegamos na área de camping junto com o pôr-do-sol.

O astral acampando às margens da Cachoeira do Soninho foi incrível. Completamente isolados, sem ver ninguém a algum tempo, nos sentimos muito conectados com a natureza. Nadamos de noite e de dia e a Bia viveu um fato curioso. Quando foi buscar água no rio o feixe de luz da lanterna de cabeça iluminou dois olhos na outra margem do rio. Ficou a curiosidade de descobrir que animal estava lá.

Dia 2

No segundo dia, recuperados do pedal do dia anterior mas receosos com o tracklog para a cachoeira da Fumaça, decidimos seguir para a queda mais forte da Cachoeira do Soninho, abastecer a água e seguir para a Pedra Furada para encontrar o Lion. Os 36 km a mais para a Cachoeira da Fumaça foram abortados.

Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo
Jalapão Bikepacking Sua Casa é o Mundo

A Cachoeira do Soninho tem uma força e uma energia bem forte. Bia aproveitou para praticar um pouco de Yoga e seguimos rumo a Pedra Furada.

Porém, na volta, seguimos pela estrada de terra. No km 12 viramos a esquerda e na bifurcação 4 km à frente, viramos a direita seguindo a placa para Ponte Alta. Sem erros e sem estresse chegamos num riozinho ideal para uma pausa no km 24. Banho, águas plenas e comida. Revigorados seguimos o caminho.

Chegando na Pedra Furada, estava bem cedo ainda. Paramos um carro para pedir informações sobre a cachoeira da Pedra Furada e ele disse que também estava procurando mas não tinha achado. Perguntou do nosso caminho e não acreditou que não tínhamos ido à Cachoeira da Fumaça. Nos convidou para pegar uma carona com ele e ir até lá. Não gostamos muito da ideia, queríamos ver o pôr do sol da Pedra Furada. Ele insistiu dizendo que daria tempo, disse pra deixarmos as bikes no mato e seguir com ele.

Pegamos o material de hidratação e lá fomos nós, clicar a cachoeira da Fumaça, reabastecer as águas e voltar para as bikes.

Percorrer o caminho que acabamos de completar de bike, no carro, nos fez constatar uma verdade. O Jalapão é bruto! E nossa jornada mal estava começando. De volta às bikes, pedalamos rumo à Pedra Furada onde reencontramos o Lion e tivemos o prazer de ser fotografado pelo fotógrafo da região Clovis Cruvinel.

Pôr do Sol incrível, camping na areia de frente para a Pedra Furada e um astral incrível com a equipe completa! Deu tudo certo com a gancheira e o Lion estava pronto pra trip!

Jalapao Bikepacking - Clovis Cruvinel-1
Jalapao Bikepacking - Clovis Cruvinel Fotorgrafia
Dia 3

O amanhecer na Pedra Furada foi incrível. Para começar fomos acordados por uma revoada de maritacas. Incontáveis maritacas dançavam no céu, voando da Pedra Furada, percorrendo um grande círculo e voltando cantando muito. O sol quando apareceu iluminou a Pedra com aquela cor incrível da hora mágica da fotografia.

Pedra Furada Jalapão
Pedra Furada Jalapão

A felicidade de estar ali era nítida nos três. Organizamos as coisas, tomamos café e encaramos os 2,5 km de areia até a estrada de terra.

Era natal e nossa decisão foi seguir para Ponte Alta. Reabastecer o estoque de comida, almoçar e jantar bem par encarar o Jalapão no dia seguinte.

Chegando na cidade uma surpresa por negligência. Andando com o pneu traseiro um pouco vazio quando passei pelo desnível da ponte com o asfalto ele furou. Descobrimos que no jogo de deixa-que-eu-deixo ninguém tinha levado espátula. (rsrsrsrs) Mas com pneu grande não é tão fundamental e não foi difícil trocar a câmara.

Tarde de descanso, reparos e ajustes na Pousada Águas do Jalapão. Mais uma noite na rede e equipamentos recarregados.

Dia 4

Café da manhã reforçado na Pousada Águas do Jalapão e pedal na estrada. Dessa vez a saída da cidade foi pelo leste. Antes da ponte de Ponte Alta seguimos para a esquerda e no começo da terra já recebemos as boas vindas. São duas subidas enormes que anunciam que o trajeto não vai ser brincadeira não.

Canion Sussuapara
Canion Sussuapara

15 km rodados e à esquerda uma pequena trilha de aproximadamente 100 metros leva ao primeiro atrativo do trecho. O Cânion Sussuapara para quem está viajando de bike é quase um Oásis. A água fresquinha era tudo o que eu estava precisando. Resultado do abuso do dia anterior, passei mal a noite inteira colocando tudo que comera pra fora. No quarto dia, desidratado, sofri para superar o sol escaldante. Mas deitar naquela água fresquinha foi sensacional.

Mais 15 km e encontramos a casa de uma agradável família as margens do Mata Nova. Curiosamente quando chegamos um dos integrantes estava tomando banho no rio e uma criança correu para avisar que iríamos mergulhar. Foi o primeiro contato com os nativos do Jalapão. O povo da região é incrível. Super solícitos, agradáveis e atenciosos. Do primeiro ao último contato, não temos nada do que nos queixar.

Após Mata Nova, pedalamos mais 30 km e chegamos ao Rio Vermelho, onde acampamos às margens do rio. Um rio estreito, porém bem fundo. O primeiro que ao mergulhar não conseguimos tocar o fundo. O Rio Vermelho é um ponto estratégico da trip de bike, pois após ele o próximo ponto d'água está a 40km.

Dia 5

Abastecemos todas as garrafas e mochilas de hidratação, tomamos um banho bem cedinho e saímos com o sol para superar os 40km. O trecho do quinto dia foi um dos mais complicados da viagem. Analisando o Mapa da região é possível identificar a mancha branca indicando longo trecho de areia fininha e fofa. São vários os pontos onde pedalar é impraticável. Empurrar a bike pesada na areia fofa é uma árdua tarefa de força e desenvolvimento da paciência.

Claro que é possível e não tem nenhum mistério. Mas com o sol castigando e as águas esquentando não é uma maneira muito divertida de avançar. Risos. Estava no pacote da aventura e nos momentos de pausa, deitando e se espremendo nas pequenas e poucas sombras, dava para gargalhar da dificuldade.

Subimos a Serra da Muriçoca assim. Caminhando, empurrando, subindo na bike, pedalando poucos metros, atolando, descendo, caminhando, empurrando... vivendo esse ciclo.

Quando a carta mudou de branco pra verde vibramos. Foram 2km de subida e mais 10km de decida até o Frito Gordo. Um rio que ganhou esse nome por ser ponto de parada dos tropeiros num passado distante quando conduziam as tropas de gado. Tomamos um bom banho, abastecemos a água e seguimos para a Comunidade do Rio Novo.

Mais 18 Km de pedal, sem muita variação de altimetria e sem areia. Chegamos na Comunidade no fim do dia. Montamos as barracas na praia do Sr Abelo, um jovem de senhor de 106 anos e fomos em uma vendinha que tem as margens da estrada beber algo gelado e forrar a barriga de comida diferente de macarrão com enlatados.

Dia 6
Jalapão Bikepacking - Sua Casa é o Mundo
Jalapão Bikepacking - Sua Casa é o Mundo

O sexto dia prometia areia, mas a distância a ser percorrida não era muito grande, apenas 13 km. Acordamos às margens do Rio Novo com o sol nos saudando entre nuvens. Curtimos a praia do Sr Abelo, batemos um papo com ele e nos preparamos pra partir.

O caminho entre o Rio Novo e a entrada para as Dunas do Jalapão apesar de apenas 13 km é uma longa e suave subida. São 90 metros de variação vertical. Com trechos de areia pesada. Por estar na estação da chuva a areia estava um pouco compactada em alguns trechos e isso facilitava muito a nossa vida.

Relatos de diversas pessoas nos faz crer que realizar essa aventura no período de seca deve ser hard.

Pouco depois de meio dia chegamos ao Bar da Dona Benita. Na maioria esmagadora de relatos sobre o Jalapão você vai ouvir falar dessa senhora. Curioso por conhecê-la chegamos perguntando por ela. Cintia Valéria, sua filha, disse que os mantimentos tinham acabado e a mãe tinha ido a Mateiros para repor o estoque.

Jalapao Bikepacking - Sua Casa é o Mundo-14
Lion colocando o Troféu no mural

Nesse momento o tempo virou, uma chuva torrencial começou e raios e trovões se aproximavam do bar cada vez mais. A coisa ficou feia quando um raio soou pertinho, os fios da energia fizeram um barulho enorme e a luz acabou. Aguardamos ansiosos passar o tempo ruim. Coisa que não costuma demorar muito na região. Enquanto isso, escrevemos na camisa do Sua Casa é o Mundo, colocando o troféu da nossa trip no hall da fama de D. Benita.

Valéria, nos orientou a não ir de bike para as Dunas. Pois era só areia fofa. Decidimos seguir a pé e pedir carona se alguém passasse. Fizemos o cadastro na portaria e em poucos metros embarcamos na carroceria do Rufus. Um simpático MTB de Pouso Alegre - MG. Em poucos minutos chegamos nas Dunas.

Na volta ficamos na D. Benita, batemos um bom papo, experimentamos a cachaça local e esticamos as redes.

Dia 7

O sétimo dia foi o dia da alvorada na madruga. A missão do dia era subir a Serra do Espírito Santo para curtir o sol nascendo. Há quem diga que a subida da serra é difícil, assustadora e perigosa. Não foi o que encontramos. É uma subida desgastante, sim. Da base até o primeiro mirante não da 1 Km, porém é bem íngrime, e são mais de 200 metros de variação vertical. Pra completar resolvemos subir com uma bike para fazer algumas imagens.

Serra do Espírito Santo no Jalapão
trilha de bike na Serra do Espírito Santo no Jalapão

Foi desgastante. Pedalamos 8 km do bar até a entrada da trilha, 500 m de areia até a base da Serra e revezamos, eu e Lion, para subir a magrela. Chegamos na hora. Pisamos no mirante e o sol apontou no horizonte.

Em todo trajeto contamos com a companhia especial de Lamparina e Cadeado, cachorros da D. Benita. Quando saímos do bar não observamos que eles estavam nos seguindo. Durante o caminho tentei mandá-los embora, mas não teve jeito. Subiram a Serra nos seguindo e Cadeado, o mais novinho, estava exausto. Parei para dar água pra ele e ele bebeu com uma velocidade incrível.

Preocupados com o destino das ferinhas só relaxamos ao descobrir que D. Benita tinha parentes em Mateiros e poderíamos deixar lá. O que nem foi preciso. Ao descer a Serra a encontramos desesperada em busca dos cãezinhos.

Jalapao Bikepacking - Sua Casa é o Mundo
Olha a sede da fera

Sorrimos da história e seguimos 23 km até a cidade de Mateiros. Chegamos por volta das 14 horas e fomos direto para o restaurante da Dona Rosa. Uma pessoa maravilhosa, boa de papo e cozinheira de mão cheia. Arrumamos um cantinho para esticar as redes e fomos para a cidade tentar reabastecer nosso estoque. Compramos macarrão, latas, pão e nutella. Não encontramos nada que desse pra ir comendo no caminho como salame, barrinhas ou coisas do tipo. O que acabou fazendo falta em alguns momentos. 

Dia 8

Com um pãozinho com ovo e café preto da D. Rosa iniciamos mais um dia. A expectativa era grande pois era dia de conhecer os Fervedouros do Jalapão. 14 km de estrada de terra em direção a São Félix. A diferença era notável. A estrada de Mateiros em diante já era bem melhor, o pedal começava a fluir mais tranquilo. Mas no km 14 ao sair para a esquerda mais areia fina e fofa.

Fervedouros do Jalapão
Fervedouro do Buriti

Longos 7km nos separariam do Fervedouro do Buriti, mas observamos uma estradinha ao lado e resolvemos pegar o "atalho" aumentando de 7 para 9 km de areia. Pelo menos em alguns trechos a gente avançava em trilhas na vegetação ao lado da estrada, porque naquela areia só dava mesmo para empurrar.

Quando a moral já estava baixando olhamos no GPS e vimos que estava chegando. Alívio, força nas pernas e confirmamos ao vivo o que vimos em várias fotos. 

O Fervedouro do Buriti foi uma ótima primeira impressão. Com a água belíssima, uma vegetação incrível e o sol completando o charme daquele cenário a gente se divertiu com a impossibilidade de afundar. Passamos boas horas brincando feito criança, até que resolvemos seguir pedalando.

Além do fervedouro tem uma cacoeirinha bem gostosa também. A água é mais geladinha, ótima para refrescar. Rolou até um mini ensaio da Bia numa árvore do local.

Do Buriti seguimos de volta para a estrada principal por outro caminho pegando um atalho de verdade e giramos para o Fervedouro do Ceiça. O primeiro fervedouro a ser visitado turisticamente no Jalapão. O Ceiça é um senhor muito simpático e inteligente. Nos explicou a história do fervedouro, o fenômeno da ressurgência e diversas curiosidades sobre o Buriti. Por fim, acabamos seguindo para o Camping dele para esticar as redes.

No Fervedouro do Ceiça tivemos a grata surpresa de conhecer mais um casal de cicloturistas. Eles estavam fazendo o percurso ao contrário. Trocamos ideias sobre os caminhos e passamos bons momentos juntos. 

Dia 9

O destino do nono dia foi a Comunidade do Mumbuca. Distante 9 km do camping o pedal foi tranquilo. A Comunidade é uma pequena vila de quilombolas onde surgiu o artesanato com Capim Dourado.

O que não foi tranquilo foi saber a história da ponte queimada. Tinha uma ponte na estrada para o povoado que o ligava com a estrada de terra que conduz a Mateiros. Um belo dia incendiaram essa ponte interditando o acesso à Comunidade.

Existem duas versões. Uma diz que foi alguém do Mumbuca, revoltado com o descaso do governo, pois a ponte precisava de manutenção. Outra versão é que artesãos de capim dourado de fora do Povoado destruíram o acesso para que o turismo comprasse o artesanato dos produtores de fora da comunidade.

Jalapão Bikepacking - Cruzando rio para Comunidade Mumbuca
Jalapão Bikepacking - Cruzando rio para Comunidade Mumbuca

Um dos objetivos visitando o Mumbuca era conhecer o Maurício Ribeiro. Artista que produz viola de Buriti e compõe belas músicas. Infelizmente não o encontramos, falamos com a esposa e com a filha e trouxemos um CD com as canções dele.

De lá seguimos para o encontro das águas do Rio Formiga com o Rio Soninho. Chegamos pelo lado do Povoado do Mumbuca, passando pelo Fervedouro do Mumbuca e cruzando o rio até o encontro das águas. Nadamos bastante e nos divertimos com a mudança de temperatura das águas. O Rio Formiga tem a água mais agradável e o Rio Soninho uma água mais fria.

Dali voltamos para a Comunidade e almoçamos uma comidinha caseira deliciosa, para seguir estrada voltando pelo mesmo caminho até a estrada e seguindo direto para o camping do Vicente, outra lenda viva da região.

Chegamos no Camping do Vicente perto do fim da tarde. Era o dia do aniversário dele e ele já estava se recuperando do porre. Bebera desde cedo, já tinha parado a algum tempo e estava contando os minutos para dormir. Batemos um bom papo e ele se foi. Esticamos as redes e pouco antes de dormir chegaram dois cicloviajantes vindo de São Félix. A Maurina e o Lucas são de Palmas e passaram ótimas dicas sobre a estrada, além de compartilhar boas castanhas, risos.

Dia 10

O décimo dia era o último do ano. 31 de dezembro costuma ser dia de parar e refletir em tudo que rolou, no ano que passou e retificar ou ratificar rumos para o ano vindouro. Nossa ideia era passar algumas horas na Cachoeira do Formiga e seguir viagem para escolher um bom lugar, em contato com a natureza, pra essa prática.

Não tivemos esse poder de escolha. A paixão pela Cachoeira do Formiga foi tanta que abortamos os planos e dedicamos todo o dia 31 a aproveitar aquela maravilhosa piscina natural.

cachoeira do formiga edinho e bia
Cachoeira do Formiga Edinho e Bia

Nadamos, fotografamos, brincamos, pulamos e nos divertimos a valer. A cor da água é incrível, a temperatura maravilhosa e não tem outra definição a não ser, voltamos à infância.

O caminho pra chegar lá é chatinho. São 6 km de areia fina e fofa. A estratégia, foi deixar o material pesado no camping do Vicente e sair bem cedinho pra pegar a areia bem compacta e conseguir pedalar o máximo possível. Deu certo e funcionou bem. Na volta iríamos pegar as coisas no Vicente e seguir nosso caminho. Porém com a mudança de planos queríamos acampar e não estávamos com nada.

A sorte foi que o Carioca, da empresa Desertos do Jalapão nos deu uma carona pra resgatar o nosso material e tudo ficou resolvido.

O reveillon foi incrível. Fomos convidados por uma família pra integrar a ceia deles e comemos um risoto delicioso. Descemos à noite para a cachoeira e vivemos bons momentos de banho, reflexões e começamos o ano de alma lavada.

Dia 11

Começamos o dia com um bom banho na Cachoeira do Formiga e saímos cedinho pra repetir a estratégia da areia compactada. Como estávamos pesados isso seria mais importante ainda. Como para voltar o trecho é levemente inclinado, uma descidinha, fluiu e rapidamente chegamos na estrada. 

Jalapão Bikepacking - Bia
Jalapão Bikepacking - Bia

Da estrada eram mais 55 km até o Fervedouro Bela Vista. Como não tínhamos conseguido reabastecer as comidas rápidas em Mateiros só tínhamos macarrão e enlatado para o dia inteiro e a estrada ainda não nos garantia uma velocidade de deslocamento boa. Avançando a menos de 10km por hora a jornada não parecia muito tranquila.

Com 8 km de pedal encontramos uma tendinha aberta. Era o ponto de parada do ônibus e imaginamos que seria tranquilo de encontrar comida. Qual não foi nossa surpresa, apenas refrigerante e um biscoitinho água e sal. Sem opção, mandamos pra dentro e voltamos para a estrada.

Na ânsia de chegar e sem saco para parar e cozinhar fomos seguindo e esfomeados chegamos no Bela Vista próximo do entardecer.

O Fervedouro Bela Vista foi o melhor atendimento que encontramos em todos os atrativos turísticos da região. Na entrada de São Félix, uma saída para a esquerda e após 3km de estrada boa chegamos lá. Uma comida maravilhosa completou o bom atendimento e foi uma das melhores noites da trip. Mais uma na rede.

Fervedouros do Jalapão
Fervedouros do Bela Vista
Dia 12

Acordamos bem cedinho para fazer algumas imagens com o Fervedouro vazio e nos surpreendemos com a beleza das imagens. No prenúncio de mais um bom dia de pedal gravamos o review das roupas de ciclismo que recebemos do Mauro Ribeiro Sports e em breve vamos disponibilizar por aqui.

Mais um bom banho matinal e pedal para São Félix para reabastecer o estoque e garantir comida pra pernada final.

Jalapão Bikepacking -
Jalapão Bikepacking

Esse era o último dia do 500 Jalapão Bikepacking. Chegar no Jalapão Ecolodge completaria os 500 km de bikepacking terminando a preocupação com captação de imagens. São Pedro entendeu o recado e nos garantiu sol no começo da tarde e uma chuva torrencial no entardecer.

Foi só pousar o drone após captar as imagens da Catedral que o tempo fechou e a chuva veio.

Descemos o trajeto da estrada até o Ecolodge com uma velocidade incrível e água, muita água.

A catedral Ecolodge é um espaço legal, pensado na preservação ambiental, na conscientização das pessoas e no mínimo impacto ao meio ambiente. Ficamos impressionados com o capricho das coisas e curtimos um bom jantar de encerramento dos trabalhos.

Dia 13
Jalapao Bikepacking - A chuva chegando
Jalapao Bikepacking - A chuva chegando

Terminado as preocupações do filme agora só nos restava pedalar para voltar a Novo Acordo. Da Catedral em diante a estrada já era muito boa e a medida que se aproximava de Novo Acordo melhorava mais e mais.

Saímos da Catedral em direção ao Rio Novo, quando de repente o tempo mudou. Mais uma chuva torrencial se aproximava com muitos raios e trovoadas. Não costumava temer esses eventos mas depois que o Serginho Tartari nos contou do raio que o pegou no Canadá redobrei meus cuidados.

Jalapao Bikepacking - Rio Novo
Jalapao Bikepacking - Rio Novo e a saudade já apertando

Paramos o pedal, nos abrigamos as margens da estrada e aguardamos aproximadamente 1 hora para prosseguir sem chuva. Após 20 km chegamos ao Rio Novo e de lá mais 30km até o Camping do Camilo. Outra figura que merece a visita.

Camilo é um proprietário de terra da região que só entrou para o turismo após muito insistência do pessoal do rafting. Todo ano batiam na porta dele pedindo para montar acampamento. Com o tempo ele abriu um bar na beira da estrada e uma área de camping que atende perfeitamente ao cicloturistas. Ganhando fama na rede como um ótimo ponto de parada.

Dia 14 

Encerrando a Expedição, 70 km de estrada boa (ainda de terra mas um tapete comparado aos dias anteriores). Saímos com o sol e fizemos a melhor média da viagem. Algo entre 15 e 20 km/h. Hahahahahaha. Parece pouco, mas para fazer isso fizemos bastante força. Ficamos felizes e concluímos um projeto que foi incrível.

Jalapao Bikepacking - Última alvorada
Jalapao Bikepacking - Última alvorada

Dicas

Não somos especialistas em Cicloturismo, não somos ciclistas e sinceramente nem gostamos de rótulos. Se fosse preciso nos definir, diria que somos pessoas perdidamente apaixonadas por aventura, contato com a natureza e viver a vida com intensidade.

Durante todas as fases do projeto 500 Jalapão - Bikepacking nos deparamos com algumas dificuldades e no caso de repetir essa trip pensaria bem nos seguintes aspectos:

  • O wikiloc é uma ferramenta incrível, feito de aventureiro para aventureiro. Porém, ao pegar tracklogs lá se certifique que a pessoa passou pelos lugares. Leia as aventuras e entre em contato se tiver dúvidas. Tenha especial atenção se for unir diversos tracklogs;
  • Procure se organizar com antecedência e testar tudo em situações similares às da atividade que pretende realizar. O celim, a regulagem dos freios e o bagageiro de uma de nossas bikes se fossem melhores mudariam bem nossa experiência;  
  • Procure conhecer os pontos de reabastecimento que você encontrará. Algumas gramas a mais durante toda a viagem podem valer muito a pena se não for possível encontrar o que você precisa;
  • Nos deslocamentos de avião, procure pesar a bike e os equipos que serão despachados. Distribuir alguns kg na sua bagagem de mão podem te salvar uma boa grana;
  • Para o Jalapão mochila de hidratação e garrafas térmicas são muito recomendáveis;
  • Leve dinheiro em cash para o Jalapão. Você evitará bons perrengues;
  • Dê especial atenção ao planejamento da alimentação. Evite ficar longos períodos sem comer e não mude sua rotina durante a viagem. Problemas gastro-intestinais e desidratação não combinam com essa viagem;
  • Repositor hidro-eletrolítico em pó podem te salvar no caso de desidratar;
  • Suplementos de carboidrato quando expostos a altas temperaturas podem te causar problemas, procure consumir quando estiverem frios;
  • Leve fotos e não plantas, deixe pegadas e não lixos (rastro de pneu também está valendo);
  • Sobre cicloturismo encontramos boas dicas no Pedal Nativo e no Até Onde Deu pra ir de Bicicleta;
  • Aproveite muito a sua trip e fique a vontade para nos perguntar o que quiser!
  • Saiba tudo sobre o Jalapão!
  • O lugar que mais gostamos no Jalapão!
  • Os encantos dos Fervedouros!
  • A Pedra Furada do Jalapão!