Um desafio para quem nunca esteve em Alta Montanha
Com a chegada do período de férias no início de dezembro de 2017, Nina (minha noiva) e eu, decidimos que faríamos uma viagem para o Chile. Com dois destinos marcados:
- Santiago Del Chile, para conhecermos a capital chilena, as famosas vinícolas e saltarmos de paraquedas em Melipilla - assunto irado a ser futuramente abordado em outro post 😉 ; e
- San Pedro de Atacama, para conhecermos o deserto mais seco do mundo, com seus atrativos e desafios;
Planejamos a viagem, compramos as passagens, preparamos as malas e fomos nos aventurar pelo país mais estreito da América do Sul. Será que conseguiríamos superar os desafios deste lugar?
Atrativos do Atacama
De fato o Atacama é um lugar encantador, a vibe local é alto astral total e a população totalmente acolhedora e solícita. Você é bem recebido em todos os lugares e é sempre bem atendido nos restaurantes. A culinária é muito rica em variedades e saborosa: há pratos para “agradar a gregos e a troianos”.
Não há necessidade de se falar espanhol perfeitamente, pois os guias e comerciantes falam “portunhol” e há agências e guias brasileiros trabalhando no local também.
A título de curiosidade, antes de subirmos o Vulcão Lascar, fizemos passeios pelos seguintes pontos turísticos:
- Dia 1: manhã: Geisers del Tatio, tarde: Laguna Cejar;
- Dia 2: manhã: Termas de Puritama (com um trekking irado de duas horas por um cânion, que os atacamenhos chamam de “quebrada”), tarde: Valle de la Luna e de la Muerte;
- Dia 3: Lagunas Escondidas de Baltinache;
- Dia 4: Lagunas Altiplânicas e Piedras Rojas (atualmente fechadas, pois alguém sem consciência pichou uma das rochas).
No 5°dia, nos lançamos ao desafio de subir um vulcão de 5600m de altitude, sem jamais termos contato com alta montanha anteriormente.
Sobre o Vulcão Lascar:
Situado na porção Sul do Platô Andino (Altiplano), na região chilena de Antofagasta, o LASCAR (“língua de fogo” em dialeto Quechua), é o vulcão mais ativo do norte chileno.
Visto de San Pedro de Atacama é possível, em certos horários do dia, observar-se uma tímida fumaça de óxidos de enxofre que brota de sua cratera. Sua última erupção deu-se em 18 de abril de 2006, e um povoado próximo ao vulcão foi devastado e suas cinzas atingiram até Florianópolis-SC.
A seus pés, encontra-se a Laguna Lejia, uma lagoa altiplânica, situada a 4325m de altitude, formada por água salgada, devido à presença dos minerais locais, com uma superfície de 1.9 km2. É possível fazer fotografias de se roubar o fôlego ao nascer e ao pôr-do-Sol nesse local.
Coordenadas do Vulcão: 23° 21.872'S 67° 43.884'O
Coordenadas da Laguna Lejia: 23° 29.923'S 67° 41.578'O
Aclimatação gradativa, hidratação, alimentação e descanço
Sabemos que a questão da aclimatação é muito séria para se ter sucesso nas ascensões em altas montanhas, por mais simples que sejam, como nesse caso.
Os esforços físicos advindos do brusco ganho em elevação, devido a inclinação do terreno e o ar rarefeito exigem um consumo elevado de oxigênio, a que nossos corpos não estão habituados, consumindo muita energia e nos tirando facilmente da zona de conforto e exigindo uma prévia e bem feita preparação física, orgânica e psicológica para se fazer face a esses desafios. Nina e eu morávamos em Goiânia (a apenas 749 m do nível do mar) e sentimos os efeitos da altitude logo no primeiro passeio.
San Pedro de Atacama situa-se a uma altitude média de 2400m e o Vulcão a 5600m, como já dito. Portanto, recomenda-se que seja o último, ou um dos últimos passeios a serem feitos durante sua estada no Atacama.
As agências oferecem passeios que possibilitam uma melhor aclimatação, como um trekking pelo Salar de Tara, por exemplo, em que se caminha numa altitude intermediária de 4300m e também, o passeio pelos Geisers del Tatio, a 4320m.
No nosso caso, deixamos o “desafio Lascar” para o último dia e, posso concluir que o fato de termos feito o passeio pelos gêiseres e o trekking às termas anteriormente, facilitou sobremaneira a nossa aclimatação, pois aprendemos a respeitar os efeitos da altitude sobre nossos corpos logo no primeiro dia e aprendemos a andar com a paciência e perseverança com que se deve deslocar pelas montanhas.
Outros fatores importantes a serem observados para uma boa aclimatação:
- hidrate-se bem: consuma no mínimo 2L de água e líquidos isotônicos por dia;
- alimente-se de carboidratos e fibras na noite anterior: os carboidratos lhe garantirão a reserva energética necessária ao seu corpo para o desempenho da atividade e as fibras ajudarão seu organismo funcionar de forma adequada. Evite consumir alimentos com grandes quantidades de proteínas, como carnes vermelhas, pois o tempo de digestão é maior e, consequentemente, a reserva das energias provindas dela também.
- Evite o consumo de bebidas alcóolicas no dia anterior. O álcool é o ladrão da sua hidratação! Portanto, se não quiser arriscar perder todo o trabalho conquistado ao longo dos dias de preparação, aclimatação e expectativa de sucesso no seu desafio, mantenha-se firme no propósito e deixe para abrir aquela garrafa de vinho chileno após o regresso da montanha. =)
- Durma bem: uma boa noite de sono dará ao seu organismo tempo de recuperação das atividades do dia antecedente e o acúmulo de energia necessária para o dia da aventura.
Desta maneira: bem aclimatados, bem alimentados, descansados, hidratados, tendo uma atitude psicológica positiva de que éramos capazes de superar o cansaço encontrado na caminhada e com humildade para caminhar como os velhos, montanha acima, nosso desafio tornou-se menos penoso para vencermos as dificuldades existentes.
Estávamos melhores preparados, mais próximos do sucesso e prontos para desfrutar da sensação de vitória e da maravilhosa vista do topo do vulcão mais ativo do Chile. E eu ainda guardava uma surpresa para a Nina, quando atingíssemos o cume do Lascar.
De San Pedro ao sopé do vulcão
No dia anterior à subida ao vulcão, tivemos uma reunião com Karla, nossa guia, na agência de turismo, para fazermos um briefing sobre o passeio e cautelarmos os materiais necessários para a subida.
Karla, uma pessoa muito atenciosa, animada e amorosa (chegou logo abraçando a Nina e dizendo que estava feliz por subir o Vulcão Lascar conosco), é também guia de escalada da agência. Existem picos de escalada irados no Atacama.
No briefing tratou dos assuntos citados no tópico acima, nos passou uma sensação grande de conhecimento e segurança daquilo com o que trabalha e da missão de nos guiar montanha acima.
Um fator positivo e decisivo para nossa escolha do serviço prestado pela FlaviaBia Expediciones é a que para estes tipos de passeios, os guias conduzem rádio, telefone satelital, kit primeiros socorros (todos guias dela têm treinamento na área) e oxigênio extra para eventuais necessidades. É muito importante conhecer as capacidades profissionais e a índole de quem vai lhe conduzir em aventuras como essa, afinal seu bem mais precioso, sua vida, estará em mãos alheias.
Ao final da reunião, após recebermos a lista de materiais necessários, cautelamos os materiais da agência de que não dispúnhamos:
- casaco de pluma;
- calça impermeável para neve, embora não houvesse previsão de nevar (estávamos no período de verão) havia possibilidade de fazer muito frio;
- óculos escuros de alta montanha;
- luvas impermeáveis para neve; e
- balaclava.
Mochila de ataque, bolsa de hidratação, segunda pele, bota de caminhada, meias e luvas nós já dispúnhamos em nossa bagagem.
Saímos da agência, fomos a um restaurante para jantar massa e seguimos para o hotel para arrumarmos o material e descansar.
No dia seguinte, 09 de dezembro de 2017, a guia e Diego, seu auxiliar, nos buscaram no hotel às 04:30h em um SUV 4x4.
Pegamos a rota de Socaire, passando por Talabre, Nina e eu aproveitamos o tempo de deslocamento para dormir mais um pouco. Passado um pouco mais de duas horas chegamos à Laguna Lejia, onde nos foi preparado um farto café da manhã: pão, manteiga, salame, queijo, bolo, chá, leite, café solúvel, achocolatado, espetinho de frutas etc.
O frio era cortante e o sol ainda não havia se apresentado! Era difícil ficar com as mãos de fora das luvas ou dos bolsos para me alimentar. Porém, logo o Sol começou a surgir no horizonte e a temperatura, a subir.
Com o alvorecer surgiu então uma paisagem fantástica a nossa frente, esquecemos o frio e passamos admirar o esplendor que a mãe natureza vem mantendo há milhões de anos. O sol nascendo, espelhando-se na lagoa junto aos vulcões Lascar, Águas Calientes e Acamarachi ao Norte de nossa posição, nos apresentava uma verdadeira pintura de roubar a atenção de qualquer ser vivo que ali estivesse. Ficamos a observar esse espetáculo aquecendo nossas mãos com as canecas de alumínio cheias de café entre elas.
Terminamos o café, nossos guias guardaram os materiais, embarcamos no carro e fomos em direção ao sopé da montanha.
O solo do caminho até o vulcão tornou-se pedregoso, com pequenos seixos que faziam os pneus do carro derraparem. Karla subiu o máximo possível com o carro para facilitar nossa vida.
Subida até a cratera
Desembarcamos do carro, reforçamos os protetores solar e labial pois, embora estivesse frio, a luz solar era muito forte e o vento forte já estava ressecando nosso lábios.
Karla nos entregou os bastões de caminhada (essenciais!!!), fizemos os ajustes necessários neles, ela nos deu dicas de como caminharmos no terreno pedregoso e íngreme utilizando os bastões e, cobertos com quatro camadas de agasalhos, começamos nosso deslocamento para cima.
A subida de acordo com nossa guia era dividida em três partes:
- Primeira: mais longa e menos íngreme;
- Segunda, curta, porém, bem íngreme;
- Terceira: plana e curta até a cratera.
Caminhávamos numa passada curta e ritmada, em silêncio, poupando energia e de cabeça alta (melhora a circulação sanguínea) e ouvindo somente o bater dos pés e dos bastões no chão de pedras vulcânicas e o vento a sibilar em nossos ouvidos. Nos hidratando aos poucos e concentrados no grande desafio a cumprir, caminhávamos lentamente montanha acima.
Após cerca de 40 minutos, fizemos uma breve parada para respirar com mais calma, comer um pouco da “ração de caminhada” (chocolate, nuts e frutas secas), tomar um gole de isotônico e tirar o casaco pluma, pois o Sol já havia esquentado bastante.
Karla havia dito que era melhor que passássemos um pouco de frio ao caminharmos e nos agasalhássemos quando parados, ao invés de suarmos sob as camadas de roupa. Porque se isso ocorresse, quando parássemos, na cratera do vulcão, o suor em nossas roupas esfriaria e nós poderíamos ter uma hipotermia.
No meio da segunda etapa, encontramos com um guia descendo com outro turista que estava passando mal por causa da altitude. Isso só fez reforçar a certeza de que não era um desafio qualquer, que exigiria cada vez mais paciência e perseverança.
Prosseguimos com nossos passos lentos e cadenciados por quase três horas, intercalando mais duas pequenas paradas, até atingirmos a boca da cratera do Vulcão: 750m de largura, 300m de profundidade e a imponência do poder da Natureza, capaz de desencadear um espetáculo destruidor e alucinante. Não à toa, os incas consideravam os vulcões como deuses.
Rumo ao topo
Durante o briefing, Karla (que sobe o Lascar pelo menos uma vez por semana há dois anos) havia nos dito que poderia contar nos dedos de uma das mãos o número de vezes que havia atingindo o cume do vulcão com turistas. Isso porque a maioria acaba passando mal e desanima de continuar a subida de mais 600m.
Ao atingirmos a cratera, nos hidratamos, comemos um pouco e tiramos algumas fotos. Karla os perguntou se nos sentíamos bem e dispostos a tentar chegar ao cume. Nina e eu respondemos que sim e que desejávamos encarar mais essa etapa. Eu precisava fazer a surpresa lá no topo! =)
Sendo assim, deixamos as mochilas na altura da cratera, próximo a uma grande pedra e partimos para mais 40min de caminhada por um terreno mais pedregoso e íngreme que a segunda etapa. Subimos “piano a piano”, contemplando extasiados a grandiosidade da beleza daquele lugar.
Na metade do caminho, o vento trouxe uma pequena nuvem de fumaça da cratera. A guia nos recomendou que cobríssemos nossos rostos com os buffs para diminuir o efeito da fumaça, que embora não fosse altamente tóxica, poderia causar dores de cabeça.
Ao atingirmos o cume do vulcão, nos agasalhamos novamente – todo o trajeto de caminhada fiz com segunda pele, uma camisa de botão dry fit e um fleece aberto e um corta-vento aberto, pois o clima nos ajudou muito. Karla disse que foi um excessão, porque geralmente pegavam temperaturas negativas lá em cima.
Tiramos algumas fotos de nosso grupo no cume e pedi à Nina que fosse tirar algumas fotos panorâmicas da vista de lá cima. Ela se afastou e nesse momento chamei a guia:
“_ Karla, preciso que você nos filme. Vou pedi-la em casamento!”. Ela fez uma cara de surpresa, porém ficou muda, sem reação rsrs...
Chamei Nina para que tirássemos uma foto. Ela entregou seu celular para Karla que quando disse: “Estoy lista!”, comecei a narrar uma poesia que havia feito para o pedido de casamento.
Nina começou a chorar emocionada...eu tive que conter o choro e continuar lendo. E até Karla chorou durante o pedido!!!
Depois do pedido de casamento aceito (ufa!!!), das felicitações de nossos guias e de um turista alemão, que foi arrebanhado por nossa equipe, iniciamos a descida de volta a cratera.
Descendo do vulcão
De volta à cratera, pegamos nossas mochilas, nos hidratamos novamente e iniciamos a descida.
O ritmo de descida foi muito maior que a de subida. E nossos passos levantavam muita poeira do solo. Então, recomendo que usem os buffs para proteger as vias aéreas e mantenham os óculos escuros para a proteção dos olhos. O terreno pedregoso torna-se escorregadio na descida, o que exige que redobremos a atenção e o apoio mais firme dos bastões no solo para se evitar quedas e escorregões. Lembre-se, em caso de escorregar, é melhor sentar do que tentar apoiar as mãos nas pedras, isso poderá causar uma fratura.
Levamos cerca de 3h30min para subir até a cratera e apenas 1h20min para voltarmos até o carro. Ou seja, a razão de descida é mais que o dobro da razão de subida. Isso causou em Nina e em mim uma enorme dor de cabeça quando chegamos ao sopé do vulcão. Logo, recomendamos que peçam aos guias para descerem devagar.
Ao chegarmos no carro, guardamos nossos equipamentos, comemos e nos hidratamos e embarcamos para voltar.
Fizemos uma rápida parada na laguna Lejia para mais fotos e pegamos a estrada de volta para San Pedro.
Chegando na agência, devolvemos os materiais, fizemos um rápido debriefing com a guia e seguimos para o hotel para descansarmos um pouco antes voltarmos ao centro da cidade para o jantar de comemoração de nosso noivado! 😉
Informações Gerais
- Quando fomos: 09 de dezembro de 2017 – verão
- Horário de saída: 0430h
- Tempo de ascensão: 03h30min até a cratera, mais 40 min até o cume
- Descida: 01h20min
- Tempo total do passeio: 09h30min
- Valor: 170.000 Pesos Chilenos (Taxa de Câmbio no Brasil: R$1,00 = 185,00 Pesos)
Roupa utilizada
- Segunda Pele: calça e blusa;
- Calça impermeável para alta montanha;
- Camisa de botão e manga longa dry-fyt;
- Blusa de fleece com zíper para poder abrir durante a caminhada;
- Casaco corta-vento;
- Casaco de pluma para alta montanha;
- Meias para alta montanha;
- Luvas de segunda pele (as de lã de merino também são bem vindas);
- Luvas impermeáveis para alta montanha;
- Balaclava X-Thermo;
- Buff
- Óculos polarizados e com filtro UV-A e UV-B para alta montanha;
- Botas de trekking.
Equipamentos
- Mochila de ataque de 30L;
- Manta térmica de emergência (os guias também tinham, mas eu sempre levo a minha);
- Canivete suíço;
- Lanterna de cabeça (não foi necessário, mas sempre conduzo também);
- Garrafas de alumínio para água;
- Bolsa de hidratação de 3L;
Alimentação na caminhada
- Chocolate Snikers;
- Barra de proteínas;
- Carboidrato em gel;
- Paçoca com whey protein;
- Frutas Secas: damasco, uva passas, tâmara;
- Nuts: amendois, castanha de caju, castanha da Amazônia (do Pará), castanha de baru e amêndoas.