Sierra Nevada

Relato da Sierra Nevada – Pacific Crest Trail

Atualizando os relatos parciais do Caminho a Dois, chegou a vez do relato da Sierra Nevada. Caminho a Dois é uma aventura de Bia e Edinho de 4.286 km a pé pela Pacific Crest Trail, uma trilha de longo curso que também é conhecida como PCT. Um caminho que corta a Costa Oeste dos Estados Unidos, no sentido longitudinal, pelas cristas das montanhas, desde a fronteira do México até a divisa com o Canadá.

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Números Sierra Nevada

  • Distância da fronteira com México: 1636,6 km
  • Dias do início: 84
  • Distância total da Sierra: 506,6 km
  • Dias na Sierra Nevada: 28
  • Período: 31 de maio à 27 de junho
  • Média km/dia Sierra:19,8 km
  • Média km/dia andados Sierra: 21,3
  • Altimetria positiva acumulada: 20873 m
  • Altimetria negativa acumulada: 18531 m
  • Zeros: 2
  • Neros (distância < 15 km): 5
  • Dia mais longo: 32,9 km
  • Dia mais curto: 5,2 km
  • Temperatura mais quente: 28º C
  • Temperatura mais fria: -15º C

O que esperar da Sierra Nevada

A Sierra Nevada era um dos pontos mais esperados por nós. A ansiedade de se aventurar na neve, o medo da altitude e o desafio de longos dias de comida dentro do Bear Canister faziam desse trecho uma grande incógnita. Repleto de dúvidas e incertezas, saímos de Kennedy Meadows para descobrir as maravilhosas montanhas da Califórnia.

Bia e Edinho admirando o Kennedy Peak

A trilha

Bem diferente do trecho anterior, o deserto, a trilha na parte da Sierra Nevada é bastante técnica e desafiadora. A começar pelos efeitos da altitude. Grande parte do tempo caminhamos acima dos 3.000 m. O trajeto começa no Parque Nacional da Sequoia, saindo de Kennedy Meadows a 1.874 m e já no primeiro dia chegamos a 3.078 m.

Outro aspecto que precisa de muita atenção é a neve. Esse ano tivemos a sorte de ter sido bem brando em relação as nevascas, o que reduziu consideravelmente a quantidade de neve nas montanhas em relação aos anos anteriores para o mesmo período. Mas nem por isso deixamos de ter problemas em alguns pontos.

A trilha na Sierra Nevada corta a Serra no sentido Sul Norte, passando por vales e cristas das montanhas. Basicamente as pessoas atravessam um passo por dia. Passo são regiões de passagem entre um vale e outro. Subimos a montanha pelo lado sul, atravessamos os passos e descemos na face norte, o lado com mais neve no caso da Sierra Nevada.

Bia atravessando rio na Sierra Nevada

Nas partes mais baixas, o desafio deixa de ser a neve e passa a ser atravessar os rios. Alguns deles são bem fortes pois também recebem a água do degelo da neve. Os rios mais difíceis foram o Evolution Creek e o Bear Creek, ambos com água entre o joelho e a cintura e com a correnteza relativamente forte.

Fora a dificuldade com a altimetria, para caminhar na neve e para travessar os rios, as subidas e descidas íngremes, os trechos de pedras soltas e a dificuldade para se orientar nos permitem classificar o trecho da Sierra Nevada como difícil.

Sol nascendo no último dia de Sierra Nevada

Ressuprimento

Outra diferença significativa da Serra pro deserto é a inexistência de estradas que cortam a trilha. A consequência disso é uma grande dificuldade de ir às cidades, bem como a inexistência de trail Angels e trail magic. Outro aspecto que gerou dificuldade na preparação logística desse trecho foi a obrigatoriedade do Bear Canister (um recipiente para proteger a comida dos ursos e os ursos das embalagens).
Após quebrarmos a cabeça, optamos por fazer poucas idas às cidades e conduzir muito peso de comida para vários dias.

Nossos ressuprimentos

  • Lone Pine (refeições, mercado e material)
  • Vermilion Valley Resort (snacks e refeições)
  • Mammoth Lakes (refeições, mercado e material)
  • Kennedy Meadows North (refeições e snacks)

Equipamento

Nosso check list de material continuou sem grandes mudanças do início da jornada. Mantivemos as alterações em função das experiências que vivenciamos no deserto e acrescentamos alguns materiais, principalmente para o frio e para neve.

Compramos dois Bear Canisters, dois microspikes (correntes com pequenas agarras para adaptar nos tênis e aumentar a aderência na neve) e eu optei por comprar uma piqueta. Estava conduzindo um bastão de caminhada e por achar que na neve o ideal seriam dois, acabei optando pela piqueta ao invés de comprar um par de bastões e jogar o meu fora. Estes foram os equipamentos pra neve.

Bia preparada pra encarar mais um trecho de neve

Além deles a Bia comprou uma luva corta-vento e uma sandália Teva para atravessar os rios. Eu comprei um filtro de água Katadyn. Optamos por cada um levar um filtro no caso de algum deles congelar. No deserto estragamos dois filtros num dia que fez muito frio e nossas águas congelaram. Na Serra cada um tinha a tarefa de dormir com um filtro dentro do saco de dormir.

Depois de muita neve e pedras, nossos tênis altra não aguentavam mais. Ambos abriram no bico do pé. Em Mammoth Lakes chegou a hora de recuperar o estrago do primeiro trecho da Serra. Bia teve que comprar uma calça nova porque ela perdeu muito peso e a calça velha parecia um balão. Também optou por comprar um novo tênis, dessa vez um Keen com reforço no bico. Eu optei por comprar uma sandália Teva para tentar caminhar e remendar o velho altra com black tape (vamos ver até quando) para prolongar o uso. Até agora estou revezando ambos.

Rae Lakes e a magia da Sierra Nevada

Natureza

A cada curva, a cada final de subida e cada virada de cabeça um encanto. A Serra é incrivelmente linda! Começando pelo Parque Nacional das Sequóias e aquelas imensas e lindas árvores, passando pelas montanhas nevadas, os lagos e as águas de degelo, e os enormes e lindos vales. Tudo muito lindo! Os infinitos esquilos, as marmotas brincando na neve, os veados que sempre apareciam nas regiões alagadas.

O aspecto que não gostamos nem um pouco aconteceu mais para o final, principalmente nos vales e lagos. São os mosquitos. Milhares, em nuvens, como nunca tínhamos visto. Em alguns trechos chegamos a andar com as roupas de chuva para evitar as picadas. Pois com as roupas normais eles picavam por cima.

Não teve a surpresa do deserto mas teve a confirmação de que provavelmente percorremos o trecho mais belo dessa jornada.

Bia preparada pra mais uma pernada

Bia

A Sierra Nevada foi tudo aquilo que eu esperava e muito mais. As montanhas mais lindas, as dificuldades mais desafiadoras. Atravessar os “Pass” das montanhas nevadas, algumas vezes com neve derretendo e congelando os pés, foi um grande desafio.

Os rios me deram a oportunidade de levar alguns tombos e ao mesmo tempo de aprender a me equilibrar em troncos e pedras. O frio me tirou algumas noites de sono, mas nada como um céu estrelado, uma lua brilhante, e um mar de gelo e montanhas a minha volta. Quis voltar pra casa e para o conforto do meu lar alguns momentos, mas só até retomar a consciência de que aqui é o meu lugar e que as dificuldades fazem parte dessa indescritível experiência.

Até agora posso dizer que a Sierra Nevada foi o ponto alto da trilha. O que me levou até a sentir uma pequena melancolia por ela ter terminado. Mas, a PCT ainda nem chegou a metade e com certeza o Norte da Califórnia, Oregon e Whashigton ainda tem muito a me surpreender.

Edinho preparando o café

Edinho

A surpresa positiva do trecho do deserto foi tão grande que preferi não criar expectativas sobre a Sierra. O que foi praticamente impossível, pois como fotógrafo e filmmaker a Sierra Nevada era o mais esperado dessa jornada.
Apesar de ter data pra acabar a PCT combinamos que só pensaríamos nisso depois da Sierra, logo, carta branca para parar a qualquer momento.

O frio, a neve foram desafios difíceis e os mosquitos foram um teste de paciência. Os visuais e as paisagens eram tão lindas que extrapolavam a inspiração. Me peguei algumas vezes boquiaberto, só admirando.

Nesse trecho a PCT corre em paralelo com a John Muir Trail. Uma trilha que fora da PCT passa pelo Mount Whitney (o mais alto dos EUA fora do Alaska) e termina em Yosemite. O Whitney nós visitamos e comemoramos 2 meses de jornada lá no cume. Foi muito legal! Yosemite deixamos pra outra oportunidade, afinal de contas, chegou a hora de acelerar o ritmo.

O maior ensinamento nesse trecho foi continuar respirando fundo e bebendo muita água. Desenvolver a paciência e a gratidão têm sido os melhores exercícios dessa jornada.

https://www.instagram.com/p/BkHKTmsnRhU/?taken-by=suacasaeomundo